ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 14:08:36

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A pioneira

Maria Rita Soares de Andrade, nasceu em 3 de abril de 1904, em Aracaju, Sergipe, filha de Manuel José Soares de Andrade, operário, e Filomena Batista Soares, dona de casa. Foi uma das figuras mais interessantes da história jurídica nacional, apesar de não lembrada com a frequência e a ênfase necessárias ao reconhecimento de sua relevância. Foi a primeira mulher a ser conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a primeira juíza federal brasileira. 

A dupla façanha não é fruto do acaso. Ela trabalhou bastante por isso, desde a formação. Fez o curso primário do Grupo Escolar General Siqueira de Meneses e o secundário no Atheneu Pedro II (hoje, Atheneu Sergipense). Não existindo, à época, curso superior em Sergipe, Maria Rita prosseguiu seus estudos na Universidade Federal da Bahia, onde se formou em Direito em 1926, tornando-se a única mulher da turma (a terceira da história daquela Universidade). Foi uma das primeiras advogadas de Sergipe. Antes mesmo de colar grau, alcançou “provisão” (uma permissão especial de advogar), que lhe permitiu exercer a advocacia no escritório dos advogados Leonardo Leite e Oscar Prata.

Após a graduação, ela retornou ao seu estado natal. Passou a defender prioritariamente a causa da igualdade de direitos da mulher. Em 1927, foi aprovada no concurso para o magistério estadual, na cadeira de literatura, mas não foi nomeada, por ser mulher. Escreveu artigos em jornais contra o então governador do Estado, Manoel Dantas Correia, que a processou por isso. Somente veio a ser nomeada após a Revolução de 1930, pelo Interventor Maynard Gomes. Foi lecionar no mesmo Atheneu em que estudara.

Em 1930, foi designada interinamente Procuradora-Geral do Estado, uma proeza. Nesse mesmo ano, enquanto estava representando o Estado na Conferência Penal e Penitenciária Nacional, no Rio de Janeiro, concedeu entrevista ao Jornal do Brasil, sob o título “O feminismo no Brasil”. Nela, demandava que os financiamentos concedidos aos estudos de homens fossem igualitariamente distribuídos às mulheres. Para que se tenha a medida da ousadia, nesse tempo mulheres não votavam e, quando casadas, eram reputadas relativamente incapazes. Nesse Congresso, também defendeu o direito de as mulheres comporem o tribunal do júri, o que era impedido à época.

Em 1931, retornou ao Rio de Janeiro para o 2º Congresso Internacional Feminino, quando foi reconhecida como uma das líderes do movimento feminista nacional. No evento, foi especialmente aplaudida pelo operariado feminino, para quem advogava gratuitamente, em Aracaju. Pareou esforços com figuras da estatura de Bertha Lutz, com quem manteve amizade por toda a vida. Ambas foram eleitas representantes do Brasil na Comissão Feminista Panamericana. Nesse conclave, defendeu a necessidade de criação de um Departamento de Polícia Feminina, administrado por mulheres, para a prevenção e apuração de crimes relacionados ao gênero. Dentre outras coisas, a proposta exigia que exames médico-legais em mulheres fossem feitos por médicas. Mais de noventa anos depois, a pauta segue atual.

Aprovada em concurso para a magistratura sergipana, chegou a compor lista tríplice, mas não foi escolhida.

Em 1938, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde construiu solida carreira advocatícia. Concomitantemente à prática do Direito, foi professora do Colégio da Universidade do Brasil, do Colégio Pedro II e fundadora da Revista Renovação, juntamente com o poeta Passos Cabral, que foi seu noivo até o prematuro falecimento dele.

Já nos anos 40, sua atuação profissional era prestigiada no Rio de Janeiro. Encontram-se registros de sua atuação como advogada perante o Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Como exemplo, observe-se a pauta da sessão de 13 de agosto de 1940. Nela, vê-se o edital de uma audiência na qual dividiu a defesa dos acusados com Sobral Pinto, colega de muitas causas. A acusação era formação de “trust” contra membros do Sindicato de Artigos Dentários e Instrumental Científico. Nas pautas do Supremo Tribunal Federal, seu nome passou a ser visto com frequência, especialmente em habeas corpus. Seus pedidos conseguiram estabelecer uma jurisprudência que anulava as decisões do TSN, especialmente em razão da falta de citação (a comunicação inicial do processo), cuja supressão ali era permitida, mas foi abominada pelo STF, em julgamento relatado por outro sergipano, o Ministro Aníbal Freire da Fonseca.

Presidiu a União Universitária Feminina. Católica, muitas vezes os jornais referem-na em eventos religiosos ou em homenagem a autoridades episcopais. Participou, como examinadora, de bancas em concursos da Faculdade Nacional de Direito.

Durante a Ditadura de Vargas, esteve em movimentos contra o regime de exceção. Em entrevista à Folha de São Paulo, em 1979, disse que, estando no Palácio do Catete, despachando no gabinete do seu conterrâneo Lourival Fontes, em 1937, ouviu dele a conspiração que pretendia bloquear as eleições. Saiu dali e comunicou a José Américo de Almeida, então presidenciável, a conjuração que se levantava, mas os esforços foram baldados. O Estado Novo prevaleceu. Daí em diante, passou a advogar para os perseguidos políticos dessa nova autocracia, normalmente de modo gratuito.

Quando Vargas caiu e José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal Federal, foi presidir a República, na sessão do STF de 31 de outubro de 1945, coube-lhe usar a palavra, em nome da advocacia nacional, para saudar o novo governo e a redemocratização que se prenunciava.

Foi fundadora da União Democrática Nacional – UDN, integrando a primeira Comissão Nacional dessa agremiação. Em 1954, será candidata a deputada federal pelo Distrito Federal (Rio de Janeiro), alcançando apenas a suplência.

Em agosto de 1952, o Jornal do Brasil – no qual trabalhou como redatora -, dá notícia de que ela impetrou um mandado de segurança em favor de uma candidata, Sandra Cordeiro de Mello, ao curso de preparação ao Itamarati, haja vista que as mulheres eram então impedidas de ingressar nessa carreira. A impetração foi bem-sucedida. A legislação que obstava o ingresso de mulheres na carreira diplomática foi reputada inconstitucional (Decreto-lei 791, de 14 de outubro de 1938).

Em dezembro de 1960, elegeu-se na primeira eleição para o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado da Guanabara. Em sua chapa estavam juristas do vulto de Themístocles Brandão Cavalcanti, Ebert Chamoun e Hélio Tornaghi. Foi uma desbravadora, ao se tornar a primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 

Também tinha atuação no Instituto dos Advogados do Brasil (IAB). Na posse do Ministro Ribeiro da Costa na Presidência do STF, em dezembro de 1963, coube à Dra. Maria Rita a saudação, representando a entidade e seus associados.

Com a recriação da Justiça Federal de primeira instância, foi indicada pelo Presidente Castelo Branco e aprovada pelo Senado Federal para ser juíza federal na Guanabara. Em 1967, Maria Rita tornou-se a primeira mulher a exercer tal função no Brasil. Na mesma leva de magistrados, estavam futuros ministros do Supremo Tribunal Federal: José Neri da Silveira, Carlos Mário da Silva Veloso e Aldir Passarinho Guimarães, além de muitos nomes que viriam a ter assento no Superior Tribunal de Justiça. Sua primeira lotação foi a 4ª Vara Federal daquele breve Estado.

Foi Diretora da Seção Judiciária da Guanabara, entre 1973 e 1974. Também em 1974, presidiu a Comissão Supervisora do Concurso para Juiz Federal Substituto. Nesse ano, aposentou-se compulsoriamente.

Dos processos que julgou, certamente o mais rumoroso foi a sindicância sobre a prática de corrupção do ex-presidente Juscelino Kubistchek, a quem absolveu. JK chegou a suspeitar da imparcialidade da sua julgadora, sabendo de seu histórico udenista, mas, ao final teve de se render e reconhecer que não foi perseguido por isso.

Retornou à advocacia e à defesa da causa da igualdade de gênero. Em 1977, em depoimento como testemunha à CPI da Discriminação da Mulher, cobrava uma indicação feminina para o Supremo Tribunal Federal. Quando o Senador Heitor Dias afirmou que não existia discriminação para com as mulheres, respondeu com um assertivo “discordo” que calou o parlamentar.

Seguiu feminista. Em 1978, registra-se, em reunião do IAB, manifestação sua de indignação e protesto por 91 candidatas serem impedidas de participar do concurso da magistratura em Pernambuco. O Instituto lançou uma nota de protesto a seu pedido.

Em 1982, foi eleita vice-presidente da Associação dos Juízes Federais, na chapa encabeçada por João Gomes Martins Filho.

Faleceu em 5 abril de 1998, no Rio de Janeiro. Em Malhador, Sergipe, há um fórum que leva o seu nome. Em Nossa Senhora do Socorro, também em Sergipe, uma rua lhe homenageia. É, no entanto, muito pouco. Merecia honras maiores.